Desde o início da pandemia já soma mais de 120 mil testes de diagnóstico. Há um mês, a média era de 700 a 800 testes diários. Em janeiro, teve de fazer mil ou mais. A patologia clínica é fundamental no combate à doença e tornou-se num “admirável mundo novo da tecnologia”.

Fonte: Diário de Notícias

Éo serviço do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN)que tem maior número de profissionais. Ao todo são 175 – 35 médicos (13 internos e 22 especialistas), 95 técnicos, 21 assistentes técnicos e 24 assistentes operacionais. É também o serviço que reúne maior número de máquinas, de tecnologia de ponta, por metro quadrado, o que o torna “num admirável mundo”. É o serviço que não para durante as 24 horas, apesar de não ver doentes – “vivemos das máquinas”, diz o diretor, José Melo Cristino – mas que a par da medicina interna e da medicina intensiva é fundamental no combate à pandemia da covid-19.

É ali, no Laboratório de Patologia Clínica do CHULN, no Hospital de Santa Maria, que se fazem todos os testes de diagnóstico à covid-19, pedidos pelo hospital, mas também por outras unidades de saúde, lares e instituições similares. Ao todo, e desde março do ano do passado, já foram feitos mais de 120 mil testes, uma média diária de 700 a 800, mas, nas últimas semanas, com a explosão da doença, chegaram a atingir os mil e mais por dia, e ao fim de semana os 400.

E se há um mês a positividade nos testes diários era de 10%, nas últimas semanas chegou a ser de 18%, embora, ressalve, José Melo Cristino, “a positividade varie consoante a origem dos doentes e de dia para dia. E explica: “O laboratório não faz só os testes pedidos pelos hospitais que integra, Santa Maria e Pulido Valente, faz também testes para muitas outras instituições. Por exemplo, nos doentes dos rastreios, doentes oncológicos que têm de fazer testes semanalmente, a taxa de positividade é baixa, mas quando nos chegam testes de doentes de lares, ou são praticamente todos positivos ou são quase todos negativos”.

Mas já em relação aos doentes da urgência e dos outros hospitais a taxa de positividade tem sido elevada, José Melo Cristino diz que os dados apontam mesmo para uma taxa atual de positividade próxima dos 18%, traduzindo assim o aumento significativo de casos de infeção diários, que em janeiro atingiu um máximo de 16 mil por dia, e de mortes, mais de 370 por dia.

Quando perguntamos se esta explosão de casos e de testes de diagnóstico trouxeram mais azáfama e stresse ao serviço, José Mário Cristino responde com toda a serenidade: “Encaramos tudo da mesma maneira, não lidamos com os doentes só com os produtos e com as máquinas. Não há serviço no hospital com mais máquinas do que nós”, admitindo que a pandemia ainda veio reforçar mais esta faceta da patologia clínica. “É um admirável mundo novo a tecnologia”, afirma a rir, mostrando satisfação, e ao fim de mais de 40 anos de carreira, pelo que faz e pela área de especialização que escolheu após o curso.

“A pandemia veio revolucionar o serviço”. afirma. Antes, “já fazíamos diagnóstico molecular para várias infeções, como para a gripe, e o principio é o mesmo, mas com o SARS-CoV-2 estávamos perante um vírus desconhecido, nunca tínhamos lidado com nada assim”, desabafa, recordando o dia em que as máquinas deram os dois primeiros resultados positivos.

“No início de março começámos a fazer testes à covid-19, mas os dois primeiros casos foram diagnosticados no dia 10. A partir daqui, a situação explodiu”. A partir daqui, o hospital teve de adquirir mais equipamento, mais máquinas, ri-se, mais material, tivemos de reorganizar as escalas no serviço para o manter a funcionar 24 horas sem falhas – portanto, o desafio não foi só o criar uma equipa para dar resposta à covid, mas o criar uma equipa eficaz. Seria catastrófico se um dia, por falta de pessoal, tivéssemos de dizer que não faríamos testes. Isto nunca poderia acontecer e até agora as pessoas têm sido excecionais, nunca tivemos uma falta de ninguém aos turnos”.

Mas este desafio obrigou à criação de escalas mais rígidas e à colocação de profissionais só para trabalho na área covid. E, segundo confessa Melo Cristino, a reorganização do serviço foi mesmo o maior desafio, “criámos equipas próprias, mas também tivemos que as treinar e ensinar a lidar com as amostras e com o vírus devido às questões de segurança que impunha”. Foi por isso que optaram por ter “sempre equipas de dois técnicos que só fazem estes testes, até para o caso de alguém adoecer o laboratório não falhar”.

330 resultados só numa noite

E se antes da pandemia, da meia noite às oito da manhã, só o laboratório do serviço de urgência ficava a funcionar, agora há máquinas que nunca deixam de funcionar. “Todos os testes de diagnóstico à covid-19 pedidos até à meia-noite são feitos, e numa só noite já chegámos a retirar 330 resultados, que pela manhã têm de seguir para a estatística do Ministério da Saúde”, explica.

A maioria dos testes que fazem são moleculares, os chamados testes PCR, que levam hoje muito menos tempo do que no início da pandemia, cerca de três a quatro horas e meia, embora façam também testes rápidos moleculares e de antigénio, que levam apenas 45 minutos a meia hora, respetivamente. “Temos equipamento de topo de gama e fazemos todo o tipo de testes, mas diria que 99,9% são testes PCR. Os outros não têm praticamente expressão. São mais usados para doentes não graves, porque para um doente que tenha de ficar internado tem de ser um teste PCR”. Aliás, esta é a regra definida na norma da Direção-Geral da Saúde, mas também porque, sublinha, “o hospital não pode correr o risco de introduzir um doente infetado que não detetou por ter feito um teste que é menos sensível”.

Melo Cristina pormenoriza na conversa com o DN que já fazem testes rápidos moleculares desde junho do ano passado, mas que o fornecimento destes “é muito escasso. Há só uma empresa que os produz e a procura a nível mundial é enorme, entregam-nos muito poucos. De 15 em 15 dias recebemos 150 testes. Portanto, temos de ser restritivos no seu uso. Só os fazemos quando o médico clínico e o médico do laboratório decidem que o caso suspeito justifica um teste destes.

Normalmente, são mais usados nas urgências”. Nas emergências, como diz, “o princípio é o mesmo de sempre, atua-se e depois logo se vê, não há nenhum doente que não seja atendido por falta de teste”, reforçando: “Na ausência em se saber se o doente é ou não positivo, atua-se como se fosse positivo. A prática é esta”.Quanto aos testes rápidos de antigénio, “só fazemos em doentes de ambulatório, aqueles para quem não está prevista a hospitalização”.

Dois pisos e muitas máquinas

O Laboratório de Patologia Clínica divide-se entre o piso térreo e o primeiro andar do hospital. São várias salas, cheias de máquinas, divididas hoje por corredores cheios de caixas com material. Só uma das salas que está dedicada ao diagnóstico da covid, nas outras tanto se faz este diagnóstico como de outras infeções bacterianas ou virais. Mas o laboratório da urgência, esse, é o que reúne todas as máquinas em ponto pequeno. “Aqui, há tudo o que há nas outras salas mas a uma escala mais pequena, porque aqui tem de se dar resposta a todas as situações que chegam à urgência”.

No inicio, tiveram de lidar com o desconhecido, com a reorganização da equipa e com a falta de material e Melo Cristino assume sem rodeios: “Foi muito, muito difícil”. “Não sabíamos com o que estávamos a lidar em termos de segurança, tínhamos pouca informação e víamos as imagens de outros países e ficávamos assustados, mas colocámos logo os níveis de segurança no máximo. O que mantivemos, cumprimos as regras sem facilitar”. De tal maneira, diz, “que nunca tivemos um surto. Tivemos casos de infeção, mas de pessoas que se infetaram fora e que não transmitiram a ninguém no serviço. As situações foram detetadas de imediato e resolvidas”.

A par do desconhecido a falta de material foi o “outro problema dramático”, o que explica, talvez, as caixas e caixas empilhadas nos corredores. “Tínhamos algum material, depois faltou tudo, até as coisas mais elementares, como reagentes e zaragatoas, que aumentaram de preço 20 vezes e que mesmo assim não havia”, desabafa. Hoje está tudo melhor, mas “os caixotes estão aqui porque receamos que nos falte material. Chegámos a ter reagentes que só davam para o dia seguir, as empresas não conseguiam fornecer, ficava tudo em Espanha e em Itália, que estavam piores que nós”.

Uma situação que resolveram ao fazerem acordos com fornecedores de vários pontos geográficos do mundo. “Hoje temos material da Coreia do Sul, da China, da Europa e dos EUA”. Mesmo assim, e apontando para as caixas empilhadas, remata: “O que vê aqui só dá para umas três semanas.” As caixas encontram-se na zona da microbiologia. “É a zona que lida com o material mais perigoso do hospital, mas onde há menos acidentes”. José Melo Cristino, diretor do serviço e professor catedrático, vai-nos apresentando sala a sala, o que se faz e como a evolução da tecnologia tornou a patologia clínica “num admirável mundo novo”.

“A sala principal do coronavírus é esta, são salas de pressão negativa. Isto é uma câmara de segurança onde estão os tais dois técnicos que só fazem diagnósticos à covid e este é o aparelho mais sofisticado de todos, faz tudo”, comportando 94 amostras de uma só vez. “Temos outros aparelhos mais pequenos, que fazem as duas fases essenciais no processo de diagnóstico à covid, extração e amplificação, em fases separadas”, continua.

Na sala ao lado, ao mesmo tempo que tratam diagnósticos à covid, tratam também amostras suspeitas de tuberculose. “Não há semana em que isto não aconteça. Em Portugal, temos uma situação muito interessante, temos tecnologia do primeiro mundo, tudo o que há de bom em equipamento, mas temos patologias do terceiro mundo, sobretudo na área infecciosa”. Se antes eram por condições socioeconómicas de uma franja da população, agora muitos casos devem-se à imigração. O mesmo acontece em relação à malária, “não temos em Portugal há muitas décadas, mas até à pandemia não havia semana em que não tivéssemos um caso. Vinham de África ou do Brasil, sobretudo portugueses que trabalhavam nestas zonas e que voltavam infetados”.

E quando menos esperamos não resiste a comentar: “Guardei o melhor para o fim. Nos meus 40 anos de experiência, a maior evolução tecnológica que vi é este aparelho. Até o termos, a identificação de bactérias levava um ou dois dias, este aparelho de espetrometria permite a identificação de todas as bactérias em dois minutos. É uma coisa impressionante”, afirma sorridente. Ali estava, “a coqueluche da patologia clínica” numa sala que mais parece uma linha de montagem, onde braços em metal vão buscar pipetas, leem códigos de barras, colocam tampas e, no final, debitam resultados que seguem para os serviços que fizeram o pedido do exame por sistema informático. Mas estes só são validados pela depois da avaliação humana, só depois de o médico os validar é que são dados como certos e passados ao doente”. Das máquinas à ação humana, é assim que se faz a patologia clínica.

No final, José Melo Cristino, quase com 64 anos, confessa que a covid-19 tem sido um desafio, mais um na “carreira de ser diretor de um serviço num hospital com esta dimensão. É um hospital onde estão sempre a acontecer coisas, talvez este seja o mais expressivo”.