A par da pandemia de covid-19, há uma outra, a da multirresistência aos antibióticos, mas que está cada vez mais esquecida. O diretor do Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Santa Maria diz que é uma das questões mais preocupantes na saúde.
Fonte: Diário de Notícias
Apandemia mudou muita coisa no Laboratório de Patologia Clínica do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, mas não eliminou uma outra pandemia que está cada vez mais esquecida: a da multirresistência aos antibióticos. “A covid-19 tem feito esquecer outros problemas gravíssimos que temos em Portugal, nomeadamente a resistência aos antibióticos”, afirma contundente José Melo Cristino, diretor do serviço. “As infeções por bactérias muito resistentes aos antibióticos não são uma novidade, continuam, mas nunca mais ninguém se preocupou com isso”, porque o foco agora é a covid-19. O médico diz que no início da pandemia houve uma quebra muito grande em todas as outras situações de doença viral ou bacteriana que necessitam de tratamento com antibióticos, “houve menos doentes a dirigirem-se aos hospitais, mas as situações continuaram a existir e têm vindo a aumentar progressivamente”. Dá como exemplo a gripe, pneumonias, infeções do aparelho urinário, infeções generalizadas, meningites, infeções que os doentes adquirem pelo simples facto de estarem hospitalizados. “Todas estas continuam e muitas são infeções causadas por bactérias multirresistentes aos antibióticos, o que é outra pandemia.” Para José Melo Cristino a resistência aos antibióticos é um problema grave em Portugal. Nos últimos anos, “melhorámos um bocadinho, passámos do muito mau para o mau, mas ainda assim somos dos países da Europa que têm maior resistência aos antibióticos”, argumenta, considerando que o que continua a falhar “é a informação ao público em geral”. Agora, diz, temos um exemplo, “não há ninguém que possa dizer que não sabe do que se está a falar quando se fala de covid-19, mas da resistência aos antibióticos a maioria das pessoas não sabe. E cada vez mais a multirresistência aos antibióticos é mais difícil de tratar”. Porquê? Porque “os antibióticos correntes deixaram de ser eficazes, em muitas situações temos de ir para antibióticos mais tóxicos para os doentes, muito mais caros, mais difíceis de administrar – há antibióticos que só são injetáveis”. O médico alerta mesmo: “Um dia poderemos chegar ao extremo de não haver antibióticos eficazes. A indústria farmacêutica não tem investido em novos antibióticos, porque não são medicamentos que tenham um retorno muito interessante”, sobretudo porque são medicamentos administrados durante um período curto de tempo, “não são como os medicamentos para as doenças crónicas que se tomam durante muito tempo e que todos os milhões neles investidos são recuperados”, ao passo que “o investimento num novo antibiótico tem uma janela de recuperação relativamente curta. Daí que tenha havido um desinvestimento da indústria em novos antibióticos”. Melo Cristino sublinha também a necessidade da aposta em campanhas de informação, dando como exemplo os países anglo-saxónicos que, diz, “são muito agressivos neste tipo de campanhas, por acharem que vamos chegar a uma altura em que as pessoas vão morrer de infeções banais porque já não há antibióticos para as tratar”.