ABETALIPOPROTEINEMIA – O CONTRIBUTO DA PATOLOGIA CLÍNICA A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO

Evento: SPPC 2021

Poster Número: 062

Autores e Afiliações:

Sara Sousa 1; Olímpia Varela 1; Jorge Lage 2; Ana Paula Castro 1; José António Carvalho 1; Laura Carvalho 2; Eliana Costa 1.

1 – Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro

2 – Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro

A abetalipoproteinemia é uma doença rara, autossómica recessiva, caracterizada por hipocolesterolemia e malabsorção de vitaminas lipossolúveis, causando retinite pigmentada, neuropatia, coagulopatia e, por vezes, esteatose hepática.

Reporta-se o caso de uma mulher de 19 anos, sem antecedentes pessoais relevantes, que recorre ao Serviço de Urgência por quadro de dor nos quadrantes inferiores do abdómen. É admitida para internamento no Serviço de Cirurgia Geral durante 4 dias. Após resolução do quadro agudo, a doente tem alta para estudo na consulta de Gastroenterologia com suspeita de doença inflamatória intestinal.
Na consulta externa, as únicas alterações descritas eram perda ponderal, que a doente não conseguiu quantificar e astenia. Não apresentava alterações do transito intestinal, as fezes eram moldadas sem sangue e sem muco, negava também febre e outras queixas.

Foi solicitada a realização de TC abdominal que revelou hepatomegalia esteatósica. Outros exames complementares de diagnóstico, nomeadamente endoscopia digestiva com biópsia, não revelaram alterações de relevo.

A doente realizou estudos analíticos laboratoriais seriados. Inicialmente apresentava anemia microcítica normocrómica, com hemoglobina de 8,6 g/dL (12-16 g/dL), associada a ferropenia. A anemia resolveu após tratamento com ferro endovenoso. Na extensão de sangue periférico (ESP) observaram-se numerosos acantócitos. Durante as consultas, a doente manteve marcadores de citólise hepática aumentados, com valor máximo de TGO de 232 U/L (<35 U/L) e TGP de 324U/L (<33 U/L). Destaca-se a alteração do perfil lipídico, com colesterol total de 44mg/dL (<200 mg/dL), triglicerídeos de 5mg/dL (<150 mg/dL) e LDL de 5mg/dL (<130 mg/dL). A doente apresentava apolipoproteina B indoseável, um doseamento de vitamina A de 0,86 (1,05-2,27) mmol/L e vitamina E <1,16 (11,6–46,4).

Colocou-se a hipótese de abetaliproteinemia e foi pedida revisão das lâminas de biópsia intestinal, cujo resultado apoiou a hipótese clínica. O diagnóstico de abetalipoproteinemia foi confirmado no estudo genético, em que foi descrita uma variante truncante no gene MTTP em aparente homozigotia. 

Este caso alerta para a importância da observação e relatório da extensão de sangue periférico (ESP). A acantocitose pode estar associada a várias síndromes e a sua identificação na ESP pode ajudar ao diagnóstico. É frequentemente observada em doenças hereditárias como a hipobetalipoproteinemia hereditária, a neuroacantocitose e  algumas doenças associadas ao fenótipo eritrocitário, mas também a causas adquiridas como a hipobetalipoproteinemia causada por desnutrição, a anemia hemolítica associada à hepatopatia, entre outras. Nesta doente a acantocitose e a hipocolesterolemia, enquanto exames complementares amplamente disponíveis, ajudaram a orientar o diagnóstico de abetalipoproteinemia.

 

Os autores declaram ausência de conflito de interesses.