CRIOAGLUTININAS NA INFEÇÃO POR SARS-COV-2: UM CASO CLÍNICO
Evento: SPPC 2021
Poster Número: 020
Autores e Afiliações:
Bruna Malheiro, Marina Majar, Aurélio Mesquita
Serviço de Patologia Clínica do Hospital de Braga
Introdução
As crioaglutininas são autoanticorpos contra antigénios eritrocitários que se formam a temperaturas inferiores à corporal normal, conduzindo à sua aglutinação e hemólise extravascular através da fixação do complemento, com consequente anemia hemolítica. A sua produção pode ser despoletada por infeções víricas ou por Mycoplasma pneumoniae, doenças autoimunes e linfoproliferativas, conduzindo à Doença das Aglutininas a Frio.
Apresentamos um caso de desenvolvimento de aglutininas a frio em contexto de infeção por SARS-CoV-2.
Caso Clínico
Homem de 47 anos, com antecedentes de dislipidemia, obesidade, tabagismo e asma, recorre ao Serviço de Urgência por dispneia, picos febris até 38.5ºC e mialgias com cerca de 10 dias de evolução. Analiticamente, constata-se leucocitose com neutrofilia, aumento dos parâmetros inflamatórios e ligeira anemia com hemoglobina de 11.8 g/dl. A tomografia computadorizada do tórax revelou extensas áreas de densificação em vidro despolido, com envolvimento global do parênquima pulmonar e a deteção de RNA de SARS-CoV-2 por RT-PCR foi positiva. Considera-se pneumonia por SARS-CoV-2 com insuficiência respiratória hipoxémica grave, sendo o doente admitido na Unidade de Cuidados Intensivos com necessidade de ventilação mecânica.
Ao quinto dia de internamento verifica-se uma discrepância entre hematócrito e contagem eritrocitária e hemoglobina, com aumento marcado do HGM (307.1 pg) e CHGM (286.7 g/dl), que normalizaram após aquecimento da amostra, sugerindo a presença de crioaglutininas, que foi confirmada por teste de Coombs direto positivo IgM grau 8 e C3d grau 10 (0-12), com Coombs indireto negativo. Verificou-se uma queda progressiva da hemoglobina até 6.7 g/dl, sem perdas hemorrágicas objetivadas, com ligeiro défice de ácido fólico, haptoglobina normal, contagem de reticulócitos e LDH elevadas, sem hiperbilirrubinémia ou défice de vitamina B12, nem ferropenia, Testes laboratoriais adicionais revelaram complemento C3 e C4 dentro dos valores de referência, serologias para CMV, sífilis, VIH e VHC negativas, e anticorpos HBs e EBNA IgG positivos. A eletroforese de proteínas séricas não revelou pico monoclonal e o teste de anticorpos antinucleares foi negativo. Assume-se anemia normocítica, hemolítica, com presença de crioaglutininas secundárias à infeção, com necessidade transfusional.
O doente foi reavaliado em 2 meses, após resolução clínica e analítica do quadro infecioso, apresentando-se já sem anemia, nem presença de crioaglutininas, sem necessidade de aquecimento prévio da amostra.
Conclusões
Tal como verificado para outras infeções víricas, nomeadamente por vírus Epstein-Barr, varicela e influenza, também a infeção por SARS-CoV-2 poderá ter despoletado a formação transitória de crioaglutininas, uma vez excluídas as causas mais frequentes para o desenvolvimento destes autoanticorpos.
Apesar de analiticamente não se constatar um marcado grau de hemólise, estes autoanticorpos dificultaram a avaliação laboratorial, dada a necessidade de pré-aquecer as amostras antes da análise. Igualmente, o doente necessitou de múltiplas transfusões sanguíneas que requereram o aquecimento e manutenção do sangue a transfundir a temperaturas não inferiores à corporal normal.
Assim, estes autoanticorpos têm relevância clínica no contexto da COVID-19, dada a sua implicação a nível laboratorial e de tratamento.