ANEMIA DISERITROPOÉTICA CONGÉNITA TIPO II: QUANDO O TODO DIFERE DO SOMATÓRIO DAS PARTES

Evento: XII Congresso Nacional de Patologia Clínica

Poster Número: 012

Autores e Afiliações:

Bruno Esteves(1), Tânia Cardoso(2), João Gomes(3), Celesta Pereira(4)Janet Pereira(4), Rosa Samelo(2).

1 – Serviço de Patologia Clínica, CHUCB – Covilhã, 2 – Serviço de Patologia Clínica, CHUC, 3 – Serviço de Hematologia, CHUC, 4 –  Laboratório de Eritropatologia, CHUC.

Introdução: A Anemia Diseritropoética Congénita (CDA) tipo II é uma entidade clínica rara, com uma prevalência estimada de 0,71 casos/milhão de habitantes. Trata-se de um distúrbio autossómico recessivo associado a mutações no gene SEC23B, responsável pela codificação de um complexo proteico relacionado com o transporte intracelular e hemostasia da membrana celular. Clinicamente, a doença pode manifestar-se na forma de anemia hemolítica associada a reticulocitose, icterícia, litíase biliar e hepatoesplenomegalia. Classicamente o diagnóstico tem sido estabelecido com base na citologia medular. Dada a inespecificidade deste método, a Sequenciação de Nova Geração (NGS) tem vindo a afirmar-se como uma ferramenta de referência para o diagnóstico definitivo.
Relato do caso: Doente do sexo masculino, de 19 anos, referenciado à consulta da especialidade para estudo etiológico de anemia hemolítica com teste de Coombs negativo associada a hepatoesplenomegalia. De entre os antecedentes destaca-se a realização de colecistectomia aos nove anos de idade por litíase vesicular e, aos 17 anos, um episódio de hepatite aguda de etiologia não esclarecida, resolvido com terapêutica de suporte. Neste contexto, foi realizada biópsia hepática que revelou sinais de colestase e hepatite crónica não enquadráveis num único quadro sindrómico. Através do estudo genético documentou-se homozigotia para o genótipo TA7/TA7 (associado à Síndrome de Gilbert), heterozigotia para a deficiência de alfa-1 antitripsina e a presença de variantes dos genes ABCB11 e ABCB4 (associadas a Colestase Intra-hepática Familiar Progressiva). O estudo realizado na consulta de referenciação revelou anemia normocítica normocrómica, com RDW aumentado e reticulocitose ligeira. No esfregaço de sangue periférico foram observados esferócitos. O estudo bioquímico demonstrou a presença de hiperbilirrubinémia directa de 10.26 μmol/L, LDH sem alterações e ausência de hemossiderinuria. Foram excluídas variantes da hemoglobina assim como esferocitose hereditária. Para esclarecimento da anemia hemolítica foi realizado um aspirado da medula óssea cujo estudo citológico revelou 12,5% de eritroblastos binucleados e 2,8% de eritroblastos multinucleados, compatíveis com CDA tipo II. A realização de um painel de NGS para pesquisa de anemias hemolíticas permitiu identificar três mutações do gene SEC23B, em heterozigotia, associadas a esta patologia. O doente mantém seguimento em consulta, medicado com ácido fólico, sem necessidade de realização de tratamento específico.
Discussão: A CDA tipo II pode manifestar-se na forma de um amplo espectro de apresentações clínicas que vão desde casos assintomáticos até situações que requerem a realização de transfusões frequentes, com as complicações associadas à sobrecarga de ferro. Este caso descreve um doente heterozigoto composto com um fenótipo incipiente, identificado apenas em 10% das situações. No entanto, do estudo realizado, destaca-se a presença de hepatoesplenomegalia acentuada que não seria expectável num doente com manifestações clínicas ligeiras. Trata-se de um achado provavelmente multifactorial que pode ser explicado pelo sinergismo da CDA tipo II com outros distúrbios genéticos documentados com repercussão hepática. Este caso clínico realça ainda a relevância da citologia da medula óssea na identificação de achados sugestivos da etiologia da anemia hemolítica e demostra a importância da NGS para o estabelecimento do diagnóstico definitivo.

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