CASO ATÍPICO DE MULHER COM DOENÇA DE FABRY
Evento: XII Congresso Nacional de Patologia Clínica
Poster Número: 027
Autores e Afiliações:
Luís Albuquerque(1), Caseiro, C.(2); Ribeiro, I.(2,3); Laranjeira, F.(2,3); Lacerda L.(2,3); Quelhas, D.(2,3)
1 – Hospital Braga, 2 – Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães (CGM-JM), CHUP, 3 – Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica (UMIB), Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto (ICBAS-UP)
Introdução: A doença de Fabry (DF) é uma doença rara do armazenamento lisossomal ligada ao cromossoma X. Resulta de variantes patogénicas no gene GLA, que codifica a enzima alfa-galactosidase A (aGA) que atua nos lisossomas, degradando a globotriaosilceramida (Gb3) e o seu derivado globotriaosilesfingosina (lisoGb3). A deficiência enzimática leva à acumulação destes compostos, originando sintomas multissistémicos. Os doentes com DF podem apresentar um espectro de manifestações clínicas inespecíficas, frequentemente associados à variante patogénica presente no gene GLA. Os sintomas mais comuns são acroparestesias, angioqueratomas, córnea verticilata, alterações cardíacas e renais. Sendo uma doença ligada ao cromossoma X, os homens têm um fenótipo mais grave. O espectro de fenotípico nas mulheres varia de assintomático a severo, dependendo do padrão de inativação do cromossoma X. O diagnóstico laboratorial da DF, em homens, é realizado pela determinação da atividade enzimática da aGA no plasma, leucócitos e em sangue seco em papel de filtro sendo confirmado por análise molecular de genótipo. Nos doentes do sexo feminino, o diagnóstico laboratorial é molecular, devido aos fenómenos de inativação do cromossoma X.
Caso Clínico: Mulher de 53 anos com história de 2 anos de evolução de cefaleia intensa, dor epicraniana e hemifacial e intolerância ao calor e ao toque. Ao exame objetivo, apresentava livedo reticular nos membros inferiores e, posteriormente abdómen e membros superiores. Como antecedentes familiares apresenta mãe e primo paterno com AVC. Após crise de cefaleia com diminuição da força do MI realizou-se RMN, onde foram descritas a presença de lesões vasculares isquémicas antigas na substância branca. O estudo de Cadasil foi negativo, pelo que prosseguiu por estudo para DF. O estudo histopatológico das lesões cutâneas não foi conclusivo. A doente apresentou deficiência parcial da actividade da aGA leucocitária e plasmática, sugestiva de heterozigotia para DF. O estudo do caso prosseguiu pela sequenciação do gene GLA, tendo-se detetado a presença, em heterozigotia, das variantes c.352C>T (p.R118C) e c.870G>C (p.M290I). Esta última variante é classificada como patogénica enquanto a outra é de significado incerto (VOUS). O restante estudo bioquímico não demonstrou acumulação de substratos (Gb3 urinário e lisoGb3 plasmático). No estudo familiar, o pai revelou-se portador da variante c.870G>C (p.M290I) do gene GLA em hemizigotia, deficiência de aGA e acumulação de lisoGb3 plasmática – alterações compatíveis com DF- embora sem clínica relevante. A mãe é portadora da variante c.352C>T (p.R118C) do gene GLA em heterozigotia, sem alterações bioquímicas compatíveis com DF. A irmã é portadora da variante c.870G>C (p.M290I) em heterozigotia – variante patogénica associada a DF e resultados bioquímicos normais. Informação complementar dos resultados de RMN cerebral não revelou alterações sugestivas de DF.
Conclusão: Mais de mil mutações do gene GLA foram identificadas e muitas variantes de significado clínico desconhecido. A gravidade dos sintomas varia, de acordo com a variante presente, idade e sexo, pelo que está subdiagnosticada. A família aqui apresentada evidencia a extrema importância do estudo familiar de todos os familiares de um indivíduo afetado para permitir uma deteção precoce e implementação de medidas terapêuticas para impedir a progressão da doença. Os tratamentos eficazes disponíveis alteram o curso natural da doença quando prescritos precocemente.