DÉFICE DE G6PD: O IMPACTO DO ESFREGAÇO DE SANGUE PERIFÉRICO NO DIAGNÓSTICO
Evento: XII Congresso Nacional de Patologia Clínica
Poster Número: 037
Autores e Afiliações:
Tiago Ling, Pedro Pereira, Ana Loureiro, Alejandra Pereira, Raquel Guerreiro, Maria João Faísca
Serviço de Patologia Clínica – CHUA-Faro
Introdução: As anemias hemolíticas são classificadas de acordo com a alterações que as provocam. Estas podem resultar de causas intrínsecas (e.g. hemoglobinopatias, defeitos de membrana ou defeitos enzimáticos) ou causas extrínsecas ao eritrócito (e.g. agentes que lesam diretamente os mesmos). A glicose-6-fostato desidrogenase (G6PD) protege os eritrócitos de lesões por stress oxidativo através da regeneração do NADPH. O défice desta enzima é geralmente assintomático, exceto quando o indivíduo é exposto a níveis elevados de stress oxidativo (por ingestão de certos alimentos, medicamentos ou outras doenças) que resultam numa anemia hemolítica.
Caso Clínico: Criança de 9 anos, sexo masculino, dá entrada no Serviço de Urgência por cefaleia frontal, náuseas e vómitos, sonolência e fotofobia. Refere também febre (38.5ºC), dor abdominal generalizada, e colúria sem acolia nas 24h anteriores. Mãe nega ingesta de medicamentos ou substâncias tóxicas, antecedentes pessoais e familiares de relevo e doenças de carácter hereditário. À observação encontrava-se sonolento e febril, com pele e mucosas ictéricas e desidratadas. Sem sinais de discrasia hemorrágica ou exantemas. Foram colocadas as hipóteses diagnósticas de hepatite aguda versus anemia hemolítica. O hemograma evidenciou anemia normocítica normocrómica com Hb 3.8 g/dL, VGM 84.7fL, CHGM 311g/L, HGM 26.4pg, RDW 16.5%, o que levou à realização de um esfregaço de sangue periférico onde se observou anisopoiquilocitose, policromatofilia, ponteado basofílico, bite cells e blister cells no mesmo. Perante os achados morfológicos, o patologista clínico contactou o pediatra para colocar a hipótese diagnóstica de défice de G6PD. Perante a suspeita, a mãe foi novamente questionada e referiu ingestão de favas há 3 dias. Com o diagnóstico de crise hemolítica grave, o doente foi internado para tratamento, tendo tido uma evolução favorável e alta ao fim de 4 dias. Após a alta foi encaminhado para a consulta de hematologia pediátrica para continuação do estudo de défice de G6PD, cujo diagnóstico foi posteriormente confirmado.
Conclusão: A observação do esfregaço de sangue periférico é determinante no diagnóstico diferencial de anemia hemolítica e, tal como demonstrado neste caso, na suspeita de défice de G6PD. O défice de G6PD é uma doença silenciosa que tende a manifestar-se apenas na presença de elevados níveis de stress oxidativo. Esta particularidade torna a doença bastante imprevisível, o que continua a impedir o esclarecimento do motivo pelo qual penas 10-20% dos portadores desta alteração desenvolvem sintomatologia. Relativamente ao caso clínico, o doente possui um défice de G6PD de classe II que aguarda estudo genético. Contudo, dado o contexto do doente, há uma elevada probabilidade de este défice ser causado pela mutação G6PD Mediterranean.
