ESTUDO RETROSPETIVO DAS INFEÇÕES POR BACTÉRIAS DO GÉNERO AGGREGATIBACTER NUM CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO: A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO

Introdução: As bactérias do género Aggregatibacter são cocobacilos Gram negativo fastidiosos que fazem parte da flora comensal oral e, menos frequentemente, gastrointestinal e urogenital. Além de pertencerem ao grupo HACEK/AACEK, tradicionalmente ligado à endocardite infeciosa, as bactérias do género Aggregatibacter têm vindo a ser associadas a outros tipos de infeção.
Objetivos e metodologia: O presente trabalho tem como objetivo reportar um caso clínico de abcesso cerebeloso causado por Aggregatibacter aphrophilus (A. aphrophilus) e efetuar um estudo observacional retrospetivo das infeções por bactérias do género Aggregatibacter, incluindo as espécies previamente classificadas como Actinobacillus e Haemophilus, num centro hospitalar universitário, durante o período de 2010 a 2022.
Caso clínico: Doente do sexo feminino com 62 anos de idade recorre ao serviço de urgência por desequilíbrio da marcha com duas semanas de evolução, tendo sido inicialmente assumido o diagnóstico de nevrite vestibular. Devido ao agravamento da sintomatologia, a doente foi reavaliada apresentando, ao exame neurológico, nistagmo horizontal bilateral, dismetria bilateral e marcha de base alargada com tendência de queda, pelo que foi internada para estudo etiológico da síndrome cerebelosa. A ressonância magnética cerebral demonstrou a presença de um abcesso no hemisfério cerebeloso esquerdo, pedúnculos cerebelosos, protuberância e base do mesencéfalo. Perante a suspeita imagiológica, foi realizada biopsia neuroguiada, a qual foi enviada para estudo bacteriológico. Após 48 horas de incubação a 37°C, em capnofilia, o exame cultural em gelose de chocolate revelou uma flora moderada exclusiva de colónias pequenas, redondas, convexas e de coloração branco-acinzentada, as quais foram identificadas por espectrometria de massa através do sistema VITEK® MS (bioMérieux) como A. aphrophilus. O estudo de suscetibilidade aos antimicrobianos pelo método de Kirby-Bauer demonstrou que a estirpe era sensível a ampicilina, cefotaxime, ciprofloxacilina, impendem e trimetropim/sulfabactam. A doente iniciou terapêutica antimicrobiana dirigida com ceftriaxone e apresentou melhoria clínica.
Resultados: No total foram incluídas 33 infeções por bactérias do género Aggregatibacter provenientes de doentes com idade média de 55 anos (mínima de 14 e máxima de 90 anos), sendo que 55% (n=18) eram homens e 45% (n=15) mulheres. Relativamente à identificação, foram encontradas 4 espécies distintas, nomeadamente 52% (n=17) A. aphrophilus, 24% (n=8) A. segnis, 21% (n=7) A. actinomycetemcomitans e 3% (n=1) A. paraphrophilus. Relativamente ao tipo de infeção, 27% (n=9) foram infeções intra-abdominais, 22% (n=7) pulmonares, 15% (n=5) odontogénicas, 15% (n=5) da pele e tecidos moles, 9% (n=3) endocardite infeciosa, 6% (n=2) urogenitais e 6% (n=2) do sistema nervoso central (SNC).
Conclusões: As infeções por Aggregatibacter spp. são raras e podem estar subdiagnosticadas devido ao facto de se tratar de microrganismos fastidiosos e pertencentes à flora comensal, o que dificulta a identificação laboratorial e a distinção entre colonização e infeção. De acordo com a casuística apresentada, as infeções intra-abdominais e pulmonares são as mais prevalentes, sendo que as infeções do SNC, tal como a descrita no caso clínico, são extremamente pouco frequentes, o que enfatiza a importância da suspeição clínica, o papel do médico patologista clínico na sua valorização e a necessidade de uma equipa multidisciplinar na gestão individualizada destas situações clínicas.