RELEVÂNCIA DO EXAME MACROSCÓPICO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO - UM CASO CLÍNICO
Evento: XII Congresso Nacional de Patologia Clínica
Poster Número: 069
Autores e Afiliações:
Miguel de Miguel, António Santos Ferreira
Serviço de Patologia Clínica – Hosp. F. Fonseca
Introdução: Num paradigma de crescente automatização dos processos da fase pré-analítica, é importante não menosprezar o papel do raciocínio clínico, nomeadamente no que toca à avaliação macroscópica das amostras. Apresenta-se um caso em que a observação atenta do aspecto do líquido cefalorraquidiano (LCR) se revelou valiosa na orientação diagnóstica de um utente em contexto de Urgência.
Caso Clínico: Utente de 72 anos, sexo masculino, sem antecedentes pessoais ou medicação habitual conhecida. Trata-se de utente com história de recurso prévio ao SU por cervicalgia com dor e rigidez à palpação cervical posterior e náuseas. Foi admitida cervicalgia associada a alterações degenerativas da coluna cervical, medicado sintomaticamente e referenciado para MFR. O quadro evoluiu com desorientação e alteração do estado de consciência, cefaleia e febre, o que motivou novo recurso ao SU, 5 dias depois. Apresentava exame neurológico sumário sem défices focais aparentes, mas com cumprimento inconsistente de ordens. À avaliação analítica, salientava-se ligeira leucocitose (12.7 X 10^9/L), sem neutrofilia (71%), PCR 6.35mg/dL, ligeira hiponatrémia (129mmol/L), com soro anictérico e análise sumária da urina inocente. Foi iniciada ciprofloxacina por suspeita de infecção do tracto urinário, realizada punção lombar, descrita como traumática, seguida de TC-CE. No laboratório, observou-se que o líquido se apresentava macroscopicamente translúcido mas xantocrómico (de cor vermelho-acastanhada), mesmo após centrifugação. Foi realizada observação microscópica em câmara de Nageotte, que revelou presença de 64 células por campo (80% mononucleadas), com raros eritrócitos. O exame bioquímico revelou proteínas totais 118mg/dL, glicose 56mg/dL e lactato 4.68mmol/dL. A pesquisa de microrganismos por exame cultural e PCR multiplex foi negativa. Foi então contactado o médico assistente e comunicada a suspeita de presença de hemorragia subaracnoideia (HSA) sub-aguda, sugerida pela conjugação da cor e limpidez na ausência de quantidade significativa de eritrócitos intactos no LCR ou icterícia no soro. A hipótese foi então confirmada após recepção do relatório da TC-CE: “(…) Alertamos para a hiperdensidade espontânea na cisterna interpeduncular, podendo traduzir eventual HSA ou eventual aneurisma trombosado do topo da basilar.” Foi pedida angioTC-CE (pós-punção lombar) para esclarecimento, que revelou: “(…) hemorragia subaracnoideia na cisterna interpeduncular e possivelmente em sulco occipital direito.” O utente foi então transferido para o serviço de Neurocirurgia, onde foi intervencionado por HSA secundária a malformação arteriovenosa, com resolução do quadro.
Discussão/Conclusão: O caso apresentado demonstra a relevância da observação atenta e interpretação baseada no raciocínio clínico por parte do Patologista Clínico. Evidencia ainda como o aspecto macroscópico do LCR pode fornecer informação preciosa para além do exame citológico e bioquímico, e permite extrair conclusões ainda inacessíveis aos métodos automatizados. De salientar ainda a importância da comunicação entre o médico patologista clínico e o médico assistente do utente, que permitiu o encaminhamento rápido e assertivo da marcha diagnóstica, motivando a prescrição adequada de exame de imagem adicional e consequente diagnóstico e tratamento atempados.